Geração Z se sente incapaz de largar os celulares, diz autor

Jonathan Haidt e a geração Z

A Geração Z não está em negação sobre os danos causados pelo uso excessivo dos celulares. Muito pelo contrário. Segundo o psicólogo social Jonathan Haidt, autor do livro A Geração Ansiosa, os jovens sabem que estão sendo prejudicados, mas se sentem incapazes de largar os dispositivos. Em entrevista à BBC, Haidt foi direto: “Todos eles veem o que está acontecendo, mas se sentem aprisionados.”

A frase resume um dos principais dilemas da juventude hiperconectada. Não se trata mais apenas de alertar os adolescentes sobre os riscos das redes sociais, afinal, eles já o conhecem. O problema, agora, é descobrir como escapar de uma rotina digital que se tornou quase compulsória, socialmente aceita e até incentivada.

Na conversa com a jornalista Katty Kay, Jonathan Haidt relembrou o impacto que seu livro causou ao ser lançado em 2024: uma reação global que ultrapassou o ambiente escolar e invadiu lares, governos e parlamentos. Escolas começaram a banir os celulares, pais se viram em crise, e o debate sobre saúde mental juvenil ganhou nova urgência.

Para Haidt, o cerne da questão é claro: a infância está sendo corroída por um modelo digital que promove o isolamento, o consumo passivo e a dependência emocional de validação online. “Não é um livro sobre telas, é um livro sobre infância”, afirma. “Que tipo de infância queremos para nossos filhos?”

O paradoxo dos pais

Apesar da crescente preocupação, muitos pais ainda resistem à ideia de cortar o acesso dos filhos aos celulares, especialmente quando estão fora de casa. Haidt entende esse paradoxo. Ele aponta que a superproteção parental tem feito com que os celulares funcionem como “cordões umbilicais digitais”.

“O celular virou uma espécie de apólice de seguro emocional para os pais, que preferem ter contato constante com os filhos a permitir que eles vivam experiências reais, com risco e autonomia”, explicou.

Escolas livres de celulares: resultados animadores

Segundo o autor, a iniciativa que mais rapidamente ganhou adesão foi a das escolas totalmente livres de celulares, aquelas onde o aparelho é entregue pela manhã e devolvido apenas no fim do dia. Os relatos, afirma Haidt, são consistentemente positivos: menos brigas, mais interação social, mais risadas nos corredores.

Apesar disso, ele alerta que medidas parciais, como proibir os celulares apenas durante as aulas, são ineficazes. “Se as crianças podem usar o celular nos intervalos, o vício continua. É preciso cortar pela raiz.”

A nova desigualdade digital

Haidt também chamou atenção para o que considera uma inversão trágica no debate sobre inclusão digital. “Nos anos 1990, queríamos garantir acesso à tecnologia para as crianças mais pobres. Hoje, precisamos protegê-las dela.”

Ele explica que filhos de famílias de alta renda, especialmente no Vale do Silício, estão sendo criados com muito mais restrições tecnológicas do que os das classes trabalhadoras, justamente os que mais dependem dos celulares como recurso para entreter os filhos em meio a múltiplas jornadas de trabalho. “Não são cordas de salvação. São deturpadores de mentes”, diz.

Um apelo aos jovens: vocês estão sendo fisgados

Jonathan Haidt não fala apenas aos pais e à geração z. Em breve, lançará uma versão de A Geração Ansiosa voltada a crianças de 8 a 12 anos. A mensagem principal será: “As grandes empresas querem fisgar vocês. Se seguirem esse caminho, vão acabar como muitos adolescentes de hoje — solitários, tristes, consumindo conteúdo sem parar. Querem viver uma vida de verdade? Então resistam.”

A sensação de aprisionamento que ele descreve talvez seja o ponto mais importante dessa discussão. Não se trata de demonizar os celulares ou promover um retrocesso tecnológico. Trata-se de libertar uma geração que, mesmo sabendo dos danos, não sabe mais como sair.

E, para isso, talvez seja preciso mais do que bons conselhos. Será preciso coragem coletiva para romper um ciclo que não foi criado pela geração Z, mas que está moldando toda a sua existência.

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