Guilherme Serrano
Em tempos nos quais o ChatGPT se tornou um aliado (e vilão) nas salas de aula, uma inversão de papéis chamou atenção recentemente: alunos denunciando professores pelo uso da IA na preparação de conteúdos. Um caso, revelado pelo The New York Times, envolve a estudante Ella Stapleton, da Northeastern University, nos Estados Unidos.
Ella percebeu algo estranho nos materiais de aula publicados pelo seu professor de comportamento organizacional. Entre os slides e anotações, lá estava uma frase suspeita:
“Expanda todas as áreas. Seja mais detalhista e específico.”
Parecia claramente um comando de prompt para o ChatGPT. Logo depois, vinham tópicos como “traços positivos e negativos de liderança”, descritos de forma genérica e superficial, marca registrada de textos gerados por IA.
A aluna confrontou colegas, revisou outros documentos da disciplina e encontrou mais sinais de automação: imagens distorcidas, erros grotescos de ortografia e até fotos geradas por IA com membros extras nos corpos dos “trabalhadores de escritório”.
Indignada, ela protocolou uma queixa formal na universidade. No centro da denúncia, estava o uso não declarado de inteligência artificial por parte do professor, justamente em um curso que proibia alunos de utilizarem ferramentas como o ChatGPT. O valor pago pela disciplina foi superior a US$ 8 mil, cerca de R$ 40 mil.
“Ele diz para não usar, mas ele mesmo usa”, declarou Ella ao NYT.
A chegada do ChatGPT em 2022 provocou um pânico moral no meio acadêmico. Universidades correram para proibir o uso da ferramenta entre estudantes, e softwares de detecção de IA se tornaram populares. A preocupação era clara: proteger a integridade do aprendizado. Mas a maré virou.
Agora, alunos começam a denunciar professores em sites como Rate My Professors, questionando a qualidade de materiais “copiados e colados” de IA e o valor pago por um ensino que poderia ser obtido gratuitamente por qualquer um com acesso à internet. A crítica não é só ética, é também financeira: “Se eu estou pagando por isso, quero um professor, não um chatbot”, escrevem muitos.
Professores, por sua vez, defendem o uso da IA como uma ferramenta legítima para lidar com sobrecarga de trabalho, preparar slides mais rapidamente e até adaptar conteúdos para diferentes perfis de turma. Em pesquisa nacional feita com mais de 1.800 docentes nos EUA, o número de professores que se declaram “usuários frequentes” de IA saltou de 18% em 2023 para quase 36% em 2024, mostra o The News York Times.
Não por acaso, empresas como a OpenAI e a Anthropic estão criando versões especializadas de seus chatbots para uso acadêmico, com o objetivo de transformar a IA em uma espécie de “assistente pedagógico” oficial.
O episódio de Ella expõe um dilema profundo: como equilibrar inovação e transparência no uso do ChatGPT e da IA de uma forma geral na educação? Se o uso de IA é inevitável e talvez até desejável, o mínimo esperado é a clareza. Se alunos são cobrados por originalidade e esforço, o mesmo deve valer para quem ensina. Afinal, educação não é só o conteúdo. É também o exemplo.
Guilherme Serrano