Guilherme Serrano
Dos 60 times que compõem as séries A, B e C do futebol brasileiro, 52 são patrocinados por bets. Elas estão nas camisas, nas placas de publicidade e até mesmo nos nomes dos campeonatos, em um movimento que ameaça se sobrepor ao próprio esporte.
Desde que as casas de apostas online se tornaram uma realidade no Brasil e “engoliram” o futebol por aqui, o jogo nunca mais foi consumido da mesma maneira.
“As odds mostram que o Brasil é o favorito para esse confronto contra o Uruguai”, diz o narrador antes da partida; “Isso só pode ser esquema de aposta”, reclama o torcedor após o atacante do seu time perder um gol na cara; “A manipulação de resultados no futebol é uma realidade”, afirma John Textor, dono da SAF do Botafogo.
As apostas esportivas entraram de vez para a cultura futebolística no Brasil, e o que antes era levado na brincadeira, como afirmar que um erro corriqueiro de um jogador só poderia ser explicado por uma possível manipulação, virou caso de polícia.
O pontapé inicial para uma discussão mais ampla sobre o assunto foi dado por John Textor, que afirmou que relatórios produzidos pela empresa “Good Game!” constataram manipulação de resultados por parte dos jogadores do Botafogo no Campeonato Brasileiro de 2023. O clube carioca tinha uma larga vantagem na reta final do torneio, mas após alguns tropeços, viu o título escorrer por entre os dedos e cair nos braços do Palmeiras.
A afirmação levou a uma investigação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e também resultou em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado acerca da manipulação de jogos e apostas esportivas.
Vale destacar que, no último dia 12 de novembro, foi instalada também a CPI das Bets, que visa investigar a “a crescente influência dos jogos virtuais de apostas on-line no orçamento das famílias brasileiras”, o que mostra que o problema não é apenas esportivo, mas também social.
Mas aqui, vamos nos ater ao âmbito esportivo do problema. Fato é que as declarações de Textor fizeram com que o brasileiro começasse a se questionar se o esporte que ele tanto ama havia se tornado um teatro.
Enquanto isso, na Inglaterra, Lucas Paquetá, titular da Seleção Brasileira que recebe milhões de libras por ano como jogador do West Ham, estava sendo denunciado pela Federação Inglesa. O argumento era o de que o jogador havia forçado cartões amarelos em quatro partidas a fim de beneficiar familiares em apostas.
Mais recentemente, Rafa Silva, jogador do Cruzeiro, foi expulso aos três segundos do jogo contra o Athletico-PR após desferir uma cotovelada contra o jogador adversário, levantando fortes suspeitas de mais um esquema de aposta.
Poucos dias depois, foi a vez de Bruno Henrique, do Flamengo, ser alvo de uma operação da Polícia Federal por supostamente ter forçado um cartão amarelo em uma partida do Campeonato Brasileiro de 2023, a fim de favorecer familiares com apostas esportivas.
Os crescentes casos chocam pois envolvem atletas de alguns dos principais clubes do país e até mesmo do mundo. Não é como se um jogador que ganhasse um salário mínimo por mês aceitasse receber um dinheiro extra para comprometer a lisura do jogo. Pelo contrário: são atletas com vencimentos anuais na casa dos milhões que colocam em xeque a paixão do torcedor.
Assim, apesar das CPIs e investigações no STJD, o que fica é uma sensação de desconfiança. Com as casa de aposta nas camisas, no nome do campeonato, na placa de publicidade, na transmissão do jogo e até no intervalo, fica difícil entender se quem está em campo é o seu time ou o Bet Futebol Clube.
Portanto, com a regulamentação das apostas esportivas ainda em um terreno nebuloso, mostra-se necessário o estabelecimento de limites em relação à publicidade das bets, bem como uma definição sobre a influência que essas casas podem ou não exercer sobre o meio esportivo de uma forma geral.
A situação traz muitas perguntas para poucas respostas e deixa uma pulga atrás da orelha de quem gosta do futebol. Pois além do risco que as bets representam nos âmbitos sociais e da saúde mental, a cultura das apostas também ameaça acabar com o futebol da forma que o conhecemos hoje.
Guilherme Serrano