Jogo do tigrinho, apostas esportivas…Vício em bets se torna problema de saúde pública entre os jovens

Vício em bets

Nos últimos dias, o jogo do tigrinho e as “bets” em geral tem estado nos holofotes, após o Banco Central brasileiro informar que as casas de apostas receberam R$ 10,51 bilhões de beneficiários do Bolsa Família de janeiro a agosto deste ano. O dado “preocupante”, como bem definiu o presidente do BC, Roberto Campos Neto, acende o sinal de alerta para um problema cada vez mais latente: o vício em bets.

Evidentemente, pessoas de todas as idades podem desenvolver essa adicção, mas o que chama a atenção é o número de jovens que vêm se viciando nas bets. Uma reportagem recente do jornal O Estado de S. Paulo revelou que pessoas com menos de 30 anos já somam mais de um terço (36,3%) dos pacientes atendidos por dependência em apostas no Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Quando o Programa Ambulatorial do Jogo (Pro-Amjo), vinculado ao Instituto de Psiquiatria do HC, começou a levantar dados, em 2015, havia apenas um paciente abaixo de 30 anos. No ano passado, o número saltou para 58, em um total de 160 pessoas atendidas.

“Estamos falando de uma faixa etária que tende a consumir muito as redes sociais. É uma geração que é moldada e influenciada por toda essa questão das redes desde o início da adolescência. E a divulgação das bets e do jogo do tigrinho está muito vinculada a essas plataformas, aos influencers…Então essas casas acabam atingindo esse público, que por sua vez se interessa, pesquisa, aposta e fala sobre. Acredito que essa seja a grande ligação”, diz o psicólogo clínico Mateus Gottschal e Sá.

LH tem 27 anos de idade e, apesar de nunca ter procurado apoio especializado, é um dos muitos jovens que desenvolveram algum nível de dependência em apostas online. Ele costuma apostar em jogos de futebol, e revela que faz cerca de cinco “bets” por dia.

“Dessas cinco, muitas são referentes a combinações de resultados também. Então não quer dizer que eu aposto só em cinco jogos, até porque essas combinações podem envolver cerca de dez partidas, por exemplo. Considerando isso, eu coloco de R$ 250 a R$ 450 por dia, mas eu também já fiz aposta de R$ 1 mil, R$ 5 mil, R$ 10 mil…Em média, acredito que eu coloco R$ 6 mil por mês em apostas”, relata.

Bets na palma da mão, na roda de amigos, na camisa do time de futebol…

O jovem conta que começou a apostar após ver o crescimento do hábito entre amigos e por já ter um amplo conhecimento sobre futebol. Ele relata, aliás, que esse círculo de amizades acaba contribuindo para o ciclo vicioso, mas que uma outra ferramenta também é fundamental nesse sentido: o Instagram.

“Tenho grupos de apostas com amigos, então a gente sempre conversa sobre. Mas acho que o Instagram é uma fonte muito, muito prejudicial nesse sentido, especialmente para quem já tem vício em bets. Lá sempre tem algum influencer falando que ganhou muito dinheiro com apostas, e alguns até cobram para dar dicas. Eu nunca paguei, mas tenho amigos que pagam por isso. Então esse bombardeio de informações é uma questão importante. Isso sem contar nos patrocínios dos times de futebol. Você está assistindo um jogo e tem uma casa de aposta estampada na camisa do jogador”, diz.

O ponto levantado por LH se relaciona diretamente com a questão da influência das redes sociais citada anteriormente pelo psicólogo Mateus Gottschall e Sá. O profissional complementa destacando a facilidade que esse usuário tem não só de ser influenciado pelas redes, mas de entrar no aplicativo da bet e de fato apostar.

“O fácil acesso ao smartphone ou aos aparelhos que permitem apostar favorece muito o vício em bets, porque dificulta a pessoa de se desligar de ter esse comportamento. A pessoa não tem mais a limitação do espaço e do deslocamento como no caso dos cassinos, por exemplo. O comportamento agora é muito mais acessível, compartilhado…Além disso, as plataformas utilizam estratégias visuais e até mesmo de sons que mexem com o nosso sistema de recompensa, tudo para atrair as pessoas para aquele jogo”, explica o psicólogo.

“Em cinco segundos eu consigo depositar dinheiro na plataforma que eu uso e em 30 segundos eu já fiz a aposta em um jogo. Eu já fiz uma aposta de R$ 5 mil nesse espaço de tempo, sem nenhuma análise estatística, só para tentar recuperar a perda que eu estava tendo naquele dia”, completa LH.

Questão de saúde

Gottschall e Sá explica que assim como o vício em substâncias químicas, o vício no jogo do tigrinho ou em plataformas análogas altera a química do cérebro, o que pode demandar um acompanhamento psicológico ou até psiquiátrico para a reversão do quadro.

“O jogo oferece a possibilidade de vencer e de ganhar dinheiro. Então, é uma atividade muito estimulante para o cérebro, e esse é um dos grandes problemas do transtorno do jogo, pois ele acaba mexendo com a química do cérebro. E nisso, as outras coisas acabam perdendo um pouco o brilho. Reverter isso pode levar um tempo, pode demandar uma terapia mais estruturada. E a pessoa vai ter que lidar com muitos momentos de uma real vontade de ceder ao jogo, porque ele é estimulante, é atrativo”, diz.

LH já fazia acompanhamento psicológico antes mesmo de ter as apostas como rotina. No entanto, foi só depois de perder R$ 5 mil em uma bet que ele decidiu se abrir com a profissional sobre esse assunto.

“Ela me perguntou por que eu apostava e me alertou que aquilo era uma tendência de vício em bets. Mas o papo foi importante para eu entender que eu não podia fazer das apostas uma fonte de renda. Não adianta nada eu ganhar R$ 6 mil com isso e minha saúde mental ir embora. Depois disso eu comecei a implementar algumas regras para mim mesmo…alguns dias eu consigo segui-las, outros não. As plataformas também oferecem algumas ferramentas nesse sentido, mas é tão simples você criar uma conta em uma bet que isso parece um pouco irrisório. Parece alguma coisa só para elas tentarem se blindar”, relata.

Gottschall e Sá destaca que, assim como no caso de LH, muitas pessoas não procuram ajuda ou demoram a fazê-lo por não verem aquilo como um problema. Por isso, diz ele, o início do tratamento muitas vezes é voltado para a conscientização do paciente.

Depois disso, também é importante entender o que faz com que a pessoa jogue. Muitas vezes, o comportamento está atrelado a ansiedade ou a problemas em outras áreas da vida. Assim, o trabalho é feito no sentido de identificar essas relações e buscar uma substituição desses comportamentos.

“Então é preciso entender o que pode estar sendo problemático e tentar reverter isso, transformar a vida da pessoa em uma coisa com mais valor. O jogo é uma atividade que mexe tanto com a química do paciente que ele acaba tendo dificuldade em ver o prazer em outras atividades. Por meio do tratamento, essa necessidade do jogo pode diminuir, mas, ainda assim, será preciso ter um certo cuidado, talvez pelo resto da vida, para não ter uma recaída no vício em bets”, completa.

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