Guilherme Serrano
Em um mundo cada vez mais conectado, onde a comunicação flui 24 horas por dia e as notificações pipocam a qualquer momento, um novo padrão de comportamento se consolidou e tem cobrado um preço alto: a cultura always on, ou “cultura do estar sempre disponível”.
Essa mentalidade, muito presente em ambientes corporativos e entre profissionais que atuam online, se caracteriza pela expectativa (implícita ou explícita) de que estejamos constantemente acessíveis, prontos para responder e-mails, mensagens ou convocações de última hora, independentemente do horário ou do contexto.
A digitalização do trabalho, especialmente após a pandemia, acelerou a normalização de práticas como responder e-mails no fim de semana ou participar de reuniões em horários incompatíveis com o descanso. Ferramentas como Slack, WhatsApp e Zoom ajudaram a manter equipes conectadas, mas também borraram as fronteiras entre vida profissional e pessoal.
A always on culture não depende apenas da tecnologia: ela se alimenta de expectativas sociais. Líderes que enviam mensagens fora do expediente, colegas que valorizam quem “está sempre online”, algoritmos que recompensam a responsividade imediata…tudo isso reforça um ciclo de hiperdisponibilidade.
Essa cultura tem consequências sérias para a saúde mental e o bem-estar. Estudos mostram que a expectativa de estar sempre disponível está associada a:
- Maior nível de estresse e ansiedade
- Dificuldade para desconectar mesmo nos momentos de lazer
- Queda na qualidade do sono
- Sensação de culpa ao descansar ou demorar a responder
- Burnout digital e exaustão emocional
Além disso, a constante vigilância das notificações fragmenta a atenção, reduz a produtividade real e prejudica a criatividade, ironicamente, comprometendo justamente aquilo que muitas vezes se busca manter com a hiperconectividade: o bom desempenho.
Romper com essa cultura exige uma mudança de mentalidade, tanto individual quanto coletiva. Algumas práticas que podem ajudar são:
1. Estabeleça limites claros
Defina horários para começar e terminar seu expediente, comunique esses limites e respeite-os. Se possível, desative notificações fora do horário de trabalho.
2. Normalize a espera
Nem toda mensagem precisa de resposta imediata. Incentive relações profissionais que respeitem o tempo de resposta e desestimulem o imediatismo como padrão.
3. Cuide do seu tempo offline
Inclua momentos de desconexão real na sua rotina, sem tela, sem notificações. O descanso é parte fundamental da produtividade.
4. Converse com a equipe
Ambientes saudáveis surgem quando há diálogo. Questione normas implícitas e incentive práticas de respeito mútuo ao tempo individual.
5. Lidere pelo exemplo
Se você ocupa cargos de liderança, o modo como você lida com a tecnologia influencia toda a equipe. Ser um modelo de limites saudáveis pode mudar a cultura organizacional.
Viver conectado não precisa significar estar disponível o tempo todo. Estar realmente presente consigo mesmo, com quem está ao seu lado, com aquilo que se está fazendo é incompatível com a lógica da hiperdisponibilidade. Romper com a cultura always on é uma decisão de saúde, de produtividade sustentável e, sobretudo, de autonomia. Em um mundo que exige velocidade constante, desacelerar é um ato de coragem.
Guilherme Serrano