Guilherme Serrano
Em tempos de hiperconexão, notificações incessantes e rolagens infinitas, um movimento inesperado tem ganhado força entre os jovens da Geração Z: o resgate de tecnologias consideradas obsoletas, como os antigos celulares BlackBerry. Com estética dos anos 2000, teclado físico e funcionalidades limitadas em relação aos smartphones atuais, esses aparelhos voltaram à cena como símbolo de estilo, nostalgia e, sobretudo, desintoxicação digital.
O fenômeno, conhecido como “retrô tech”, é impulsionado especialmente por usuários nascidos entre 1997 e 2012, que estão redescobrindo o valor de dispositivos simples como câmeras analógicas, tocadores de CD, videogames portáteis e, agora, celulares BlackBerry. Mesmo sem terem vivenciado a era de ouro desses gadgets, os jovens adotam esses itens como forma de se reconectar com uma era percebida como mais autêntica e menos ansiosa.
Nos anos 2000, BlackBerry era sinônimo de status. Executivos, políticos e celebridades como Kim Kardashian apareciam frequentemente com seus aparelhos de teclado QWERTY e o popular sistema de mensagens BBM (BlackBerry Messenger). No Brasil, modelos como o Curve 8520 e o Bold 9700 eram objetos de desejo.
Hoje, o apelo é outro: menos funcional, mais simbólico. Jovens enxergam o BlackBerry como uma forma de protestar contra o vício digital e a dependência das redes sociais. Em vez de feeds intermináveis e apps de produtividade, preferem um aparelho que permita apenas chamadas, mensagens diretas e, no máximo, uma música ou jogo simples.
Estilo vintage com propósito
O movimento retrô tech vai além da estética. Ele reflete um desejo crescente por controle e simplicidade, em oposição ao modelo atual de consumo digital. Assim como os discos de vinil ou as câmeras Polaroid, o BlackBerry tornou-se um item “cult”, resgatado por seu valor simbólico, não apenas tecnológico.
Além disso, o teclado físico, os sistemas operacionais minimalistas e o BBM, que só permite conversas entre usuários que compartilham seus PINs, oferecem uma experiência mais intencional e menos intrusiva.
Segundo especialistas, esse retorno ao passado tem um efeito quase terapêutico. Ao limitar o uso de redes sociais e reduzir a sobrecarga informacional, muitos usuários relatam melhora na concentração, no sono e na saúde mental.
O efeito TikTok e o alcance global da tendência
Plataformas como o TikTok foram essenciais para o renascimento do BlackBerry. Vídeos de unboxing, tutoriais de personalização e relatos de uso criaram uma comunidade em torno do aparelho. Um vídeo publicado por uma jovem brasileira usando um BlackBerry em 2025 já soma mais de um milhão de visualizações, e o movimento cresce em países como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido.
No TikTok, o resgate do celular é apresentado como um gesto de rebeldia não apenas contra os padrões da moda, mas contra o próprio modelo de consumo de atenção das Big Techs.
Tecnologia com propósito: a nova (velha) tendência
O ressurgimento do BlackBerry mostra que, mesmo em plena era da inteligência artificial e dos smartphones ultrapotentes, há espaço para o uso consciente da tecnologia. A Geração Z, muitas vezes estigmatizada por seu apego às telas, demonstra maturidade ao buscar alternativas mais saudáveis de se relacionar com o digital.
Seja como gesto simbólico, item de colecionador ou ferramenta real de desaceleração, o retorno do BlackBerry aponta para uma lição importante: a verdadeira inovação, às vezes, está em desacelerar.
Guilherme Serrano