Empresas passam a exigir o uso de IA no trabalho

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A inteligência artificial (IA) deixou de ser uma opção para se tornar um pré-requisito em muitas empresas de tecnologia. Conforme revelou uma reportagem do The Washington Post, companhias estão reestruturando processos internos, critérios de contratação e avaliações de desempenho com base na adoção de IA. A tendência, no entanto, tem gerado reações negativas entre funcionários, usuários e especialistas em tecnologia.

Segundo a publicação, em abril, Luis von Ahn, CEO da Duolingo, publicou um memorando interno direcionado aos cerca de 900 funcionários da empresa afirmando que, a partir dali, a IA seria prioridade absoluta. A startup deixaria de contratar terceirizados para tarefas que pudessem ser feitas por inteligência artificial, buscaria candidatos com familiaridade com essas ferramentas e passaria a considerar o uso de IA como critério de desempenho dos colaboradores.

A mensagem repercutiu mal. Muitos usuários criticaram as traduções geradas por inteligência artificial, apontando a falta de contexto e sensibilidade humana. Nas redes sociais, ameaçaram abandonar o aplicativo e acusaram a empresa de priorizar a tecnologia em detrimento das pessoas.

A reação foi tão intensa que, três semanas depois, von Ahn voltou atrás parcialmente em um novo post no LinkedIn. “Não vejo a IA como substituta do trabalho dos nossos funcionários. Vejo como uma ferramenta para acelerar o que fazemos, com o mesmo nível — ou melhor — de qualidade”, escreveu.

Outras empresas seguiram caminho semelhante. Na Shopify, o CEO Tobi Lütke determinou que todos os funcionários devem aplicar IA em suas funções. A tecnologia deve estar presente nos protótipos, nas revisões entre colegas e nas avaliações de desempenho. Para justificar novas contratações, será necessário demonstrar que a IA não pode executar a tarefa. “Estamos todos comprometidos com isso!”, escreveu ele. A reação também foi crítica. “Estão depositando toda a fé em um código que muitas vezes nem funciona direito”, comentou a consultora Kristine Schachinger no X (antigo Twitter).

Na Meta, a IA está sendo usada para substituir humanos em processos de revisão de privacidade e decisões consideradas de “baixo risco”, como retenção e exclusão de dados.

O Washington Post destaca que o movimento tem ganhado força entre lideranças do setor. CEOs como Aaron Levie (Box), Micha Kaufman (Fiverr), Wade Foster (Zapier) e Ryan J. Salva (Google) têm defendido publicamente o uso massivo de IA, mesmo que isso implique reestruturar o perfil dos colaboradores. Kaufman, por exemplo, foi direto ao ponto: “A IA está vindo pelo seu emprego. Pelo meu também.” Ele chegou a reunir 250 funcionários para explicar que espera o dobro ou triplo de produtividade e que contratações futuras exigirão domínio de ferramentas de IA.

Mas nem todo mundo está convencido de que a corrida para adotar IA a qualquer custo seja o melhor caminho. Ao Post, Emily Rose McRae, da consultoria Gartner, alertou que o entusiasmo pode mascarar riscos reais. “O trabalho vai mudar, mas empresas que não adaptarem seus processos internos para a IA dificilmente terão retorno sobre o investimento — e ainda vão frustrar seus trabalhadores”, afirma.

Um exemplo disso é a fintech sueca Klarna, que cortou 38% do quadro de funcionários entre 2022 e 2024 para apostar na automação. Apesar dos ganhos em produtividade, a empresa reconheceu que foi longe demais e decidiu recontratar trabalhadores temporários humanos. “A experiência do cliente exige equilíbrio”, disse a porta-voz Clare Nordstrom.

A tendência “AI-first” já é regra em muitas startups, onde a tecnologia é parte do DNA desde o início. Mas nas empresas mais consolidadas, a transição está provocando debates sobre limites, ética e impacto humano. Como resume McRae, da Gartner: “As ferramentas que usamos são novas, e nosso entendimento sobre elas ainda vai evoluir.” Até lá, as empresas caminham sobre uma linha tênue entre inovação acelerada e a perda de conexão humana no ambiente de trabalho.

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